terça-feira, 29 de dezembro de 2009

(Pseudo) Tarde campestre

E eu, entre as roupas penduradas no varal, ria alto de uma das muitas histórias protagonizadas por meu avô.
A noite derramava-se como óleo, trancada, fora do apartamento. E se sonho não fosse sonho?

terça-feira, 27 de outubro de 2009



Nunca concordei com Lennon e McCartney em If I Fell; não acredito que vá concordar um dia, e sempre me pergunto o que seria do amor sem as mãos.
As mãos falam - falam por nós, falam sozinhas, falam conosco. Sabem se expressar, têm senso crítico. Acompanham riso e pranto; quase têm vida própria! Sabem onde começar e quando parar. Temem, tremem, congelam. As que agridem são as mesmas que queimam; as que sangram, acolhem e acariciam.
Tocam, enroscam-se, conduzem, pedem, chamam. E são elas que, por fim, unem dois em uma só carne.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Criar diálogos é, sem dúvida, um dos meus maiores e mais amelísticos prazeres. Alterá-los em situações já existentes ou imaginá-los em outras, pelas quais, provavelmente, não hei de passar.
Tudo se dá, inicialmente, como em uma fotografia; cenas estáticas e sem nenhum som. Daí em diante, escrevo um roteiro, depois de avaliar as características de cada personagem. Visualizo, então, suas ações e palavras trabalhando em conjunto, e passo de roteirista a espectadora, diante da atuação de desconhecidos, amigos - e, às vezes, até de mim mesma, frente a frente com meu alter-ego. Como sempre, posso ser levada às lágrimas ou rir sozinha, assustar-me ou sentir algum conforto ao analisar cada movimento a fundo.
Creio que essa seja uma das melhores formas que encontrei para entender como as coisas podem acontecer: idealizando-as; pensando em cada possibilidade, escrevendo e reescrevendo roteiros. Tendo a certeza de que, se errar, não hei de ferir a mais ninguém senão a mim mesma.

domingo, 26 de julho de 2009

Tem muitos livros aqui, vô. A colônia quer montar uma biblioteca, achei o maior barato. Ordenei os livros de capa vermelha quando chegamos, “clássicos da literatura universal”. Faltavam dois ou três, mas alguém deve ter pegado para ler. O jornal também parecia não ter todos os cadernos, ou eu não tive paciência suficiente para lê-los todos? Talvez. Não é que eu não goste de jornais, mas... O senhor, eu lembro. O senhor gostava, não é? Principalmente das palavras cruzadas. Bem, minha mãe comprou algumas para fazermos juntos. Ela trouxe tirinhas também, e eu, alguns livros. A tia Nan me mandou as tirinhas – ela sabe que gosto. Elas ficam junto das palavras cruzadas, não é?
Eu trouxe o violão. Minha mãe já me cobrou o estudo, e eu sei que o senhor também cobraria. Mas eu estava desanimada, vô, um pouco cansada. De qualquer forma, eu tenho que estudar, e vou fazê-lo assim que estiver melhor – amanhã, quem sabe. Minha mãe não é a única que me cobra: a tia Mar, tia Nan e eu. O senhor me cobrava, vô.
Parece que o tio tem uma dieta especial agora; acho que o senhor o acompanharia. É quase impossível não pensar no senhor quando falamos de limão ou linhaça. Aliás, falamos sobre o senhor hoje, durante a janta; Ou foi almoço? O senhor bem sabe que compramos “besteirinhas” para viajar. Eu lembro que eu não gostava do seu pão, e até agora ninguém conseguiu fazer igual, nem seguindo a receita. Eu gosto do seu pão, vô.
A tia Mar achou o caderninho, deve saber qual. Eu anotei as frases, faz um bem danado ler aquilo - sempre acabo rindo. Quando falamos sobre o senhor hoje foi para lembrar uma delas.
Fomos ver o mar no final da tarde. Eu queria ter saído mais cedo, quando vi que o céu estava bonito, as nuvens amareladas e em tons de rosa, como uma página envelhecida manchada com um pouco de vinho. Ao sair já estava cinza, carregado, mais uma vez. Ainda assim eu quis ir. O mar estava bravo, a água subia bastante. Mesmo desse jeito consegue ser lindo. De manhã andamos um pouco, pegando conchinhas. O senhor andaria junto, não é?
Desculpe por não ter dançado valsa com o senhor naquele casamento, vô. Eu dancei um pouco com a minha mãe hoje, ela pensou que eu estivesse louca. Acho que eu tenho um pouco de mar dentro de mim, sabe. Numa hora, calma e fácil de lidar; noutra, atrevida, rebelde. Às vezes, quando eu penso no senhor, a água acaba rompendo os diques e inundando meu rosto. Mas não é porque eu esteja brava; é por causa das recordações, sempre tão felizes.
Acho que vou mudar meu julgamento, então. O mar não fica bravo ao fim da tarde – fica feliz.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Meus pés dançavam ao som da triste melodia que dominava minha mente. Vi uma frase sendo escrita perto deles, mas não quis ler - acredito que fosse algo em francês. Não havia frio e, mesmo assim, eu usava três cobertores. Tive medo de fechar os olhos e encontrar os pesadelos de sempre, que já são parte de minha rotina. Enfim cedi; e sonhei.
Tudo acontecia muito rápido, como se pudesse sentir minha vontade de abrir os olhos novamente. Sonhei com luzes embaçadas por minha visão turva; com campos abertos e flores vermelhas sendo tocadas pelo vento; com uma casa simples, mas aconchegante, rodeada por árvores numa alameda sem fim; com largos chapéus de palha e seus detalhes coloridos; com uma tarde de verão onde o Sol não queimava; com pedras saltando na água mais de uma vez; com uma vida sem bens, nem posses, mas bela e, pode-se dizer, abençoada.
Acordei abruptamente, querendo sonhar mais. Sonhar com o silêncio, com perguntas, não queria respostas me assombrando. Afinal, como pode uma pessoa sofrer tanto e ser tão feliz?
O som do piano embalou meu sono – uma melodia triste, que não me faria chorar, não mais. Dormi sorrindo.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Ridícula

Não ter palavras ou tê-las receosas, com medo serem ditas ou escritas. É vontade de se sentir como se todo um deserto invadisse os olhos, e não como se só um grão de areia o fizesse. Não conseguir olhar para o espelho, com a certeza de que vai rir. Ser mais medíocre.
Colocar um chiado, como aquele dos rádios, no lugar do coração – nunca mais rápido, nem mais lento; vazio e sem emoção. Que existe só enquanto não parar, enquanto não for desligado.
Há de piorar se eu sofrer um pouco mais? Não creio que seja possível.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Pacífica

Em verdade, gosto da noite. Quando posso mergulhar em seu azul profundo, ao lado de peixes trissílabos que banham-se em água tônica. Passear em meio a corais de estrelas sem medo de me ferir. Enfim descansar embalada por seus lençóis quentes, calculando o tempo através de minha pulsação. Água negra e pura me cercando, sem fazer meus olhos arderem. E um oceano de cores estático, imaginário, surreal bem à minha frente, na espera para ser explorado e modelado em forma de sonho.

domingo, 7 de junho de 2009

Azul

Gosto dos dias em que sinto meu coração batendo em mais de um lugar. Gosto muito, também, de dias frios. Dos primeiros, porque posso ter certeza de que meu coração não parou. E dos frios, porque posso senti-lo quente em meu peito, o que comprova sua existência.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Andando em vão pela sala, podia ouvir o som das patas do cachorro, que corria no andar de cima, e de dois saltos ambulantes. Mesmo que o apartamento não seja grande, consigo me perder com facilidade, e as coisas úteis sempre estão escondidas quando mais preciso delas. Corro de volta para o quarto em busca de um caderno; abro uma das gavetas e encontro livros (ah, a falta que faz uma estante!) onde ele deveria estar. E a situação só fica mais tensa, uma vez que os livros, com seu doce perfume, me distraem. Demoro algum tempo para retomar meu objetivo inicial: encontrar meus curativos, feitos com papel e tinta – muita tinta.
Não são raras as vezes que me encontro com vontade de escrever, mas o choque maior costuma acontecer à noite. Então eu sangro - às vezes o bastante pra molhar o travesseiro. Acredito sofrer de verbofilia; afinal, nem papel nem tinta curaram por completo meu derramamento de palavras, embora sirvam como curativo, controlando-o e auxiliando no difícil processo de cicatrização. O problema fica ainda pior quando não os encontro e termino por sofrer um derrame, palavras a inundar minha mente, encharcando-a por completo. Nesses casos, só posso recorrer a tranqüilizantes naturais, acelerando um relógio biológico já fora de controle. E muitas vezes, torço para que palavras, idéias, sua cor e cheiro de ferro venham a invadir, também, meus sonhos.

domingo, 24 de maio de 2009

Ignorância

Conheço palavras, mas elas parecem não surtir efeito. Conheço o sono, mas ele tem me evitado. A certeza já foi minha amiga - hoje quase não nos falamos. Acho que um bichinho me mordeu: o bichinho da dúvida. E eu tenho andado de mãos dadas com a paciência.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Sobre a Liberdade

A aparência denuncia sua idade, mas por dentro ele é como qualquer jovem. Sedento por adrenalina. Ter uma vida calma como todo senhor de sessenta, setenta anos – não, isso não é para ele! Dirigir carros comuns? Passado; a vida sobre duas rodas é muito mais excitante.
Talvez seja, sim, por fazê-lo sentir como se fosse um pássaro, ainda que não tenha asas – livre. Ele tira o capacete e deixa a brisa tocar-lhe o rosto, brincando com seus longos cabelos grisalhos. Veste novamente e posiciona-se. Verde. E então não há mais ninguém diante de mim.
Ele voou.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Encontro

Acontece, geralmente, ao fim do dia, podendo ser mais cedo ou mais tarde, não importa. Às vezes veste vermelho, outras vezes cinza, amarelo, azul - é como se seu guarda-roupa guardasse, na verdade, todo o espectro de cores. Ele sempre está lá, não importa se faz frio ou calor, se há chuva ou sol. É incrível o modo como nos entendemos, sem trocar uma palavra.
Difícil vê-lo alterado - é sempre tão calmo! Passando fins de tarde e noites com ele sinto-me segura, tranquila. Mesmo quando explode de raiva para depois chorar, por muito tempo, por pouco tempo, por dias e dias, sua companhia é agradável. Mas tudo fica ainda melhor quando ela aparece, tão bela, brilhante e branca. E deixá-los sozinhos não é grande sacrifício quando estou certa de que terei outras oportunidades para acompanhá-lo.
Todos os dias tenho um encontro com o céu.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Como uma criança

Com os cabelos ainda molhados e do topo da colina, ela observava. No início, conseguira identificar apenas vultos, mas sua visão já se reestabelecera e ela podia ver tudo o que acontecia: crianças. Corriam, pulavam, brincavam, cantavam, todas seguindo o mesmo compasso. Sorriu decididamente, embora ainda se questionasse sobre o que seria o melhor a fazer. Por fim, levantou-se, ainda sorrindo; correu para chegar a tempo de garantir sua participação naquela rodada de esconde-esconde.
A brisa soprou, suave. Desde que adentrara o box do banheiro, estava revivendo sua infância, que agora cheirava a colônia e morango. A cor que ardia em seus olhos.

domingo, 22 de março de 2009

A bailarina trilha seu caminho pela corda-bamba com um pequeno guarda-chuva, que a ajuda a manter o equilíbrio. Alguém que acompanhava o espetáculo, horas depois, na mesma noite, passou a ser chamado de bêbado. E sua embriaguez não se deu graças a nenhuma bebida. O bêbado deixou-se embebedar pela graciosidade da cena à qual assistia, pela beleza da protagonista; embebedou-se disso, talvez, para esquecer os riscos que a equilibrista corria, lá no alto, sozinha com o guarda-chuva. E o bêbado foi, enfim, tomado pela dúvida: se a vida da pequenina não dependesse da corda, que guiava seus passos, e do guarda-chuva, que lhe dava equilíbrio, poderia ela trilhar, com leveza e precisão, o caminho que levaria a seus braços?

sábado, 21 de março de 2009

Como é que se diz?

A cena: uma cesta aguardava por aqueles produtos próximos à sua data de validade. Estaria vazia se uma rosa, e ela sozinha, não descansasse sobre sua superfície vazada.

Um dia, já valeu muito mais.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Piada

Sempre dormir pensando em algo que é realmente importante para você, acordar descobrindo que tudo foi em vão - levantar-se e não reconhecer a figura no espelho.
Afinal, desde quando estou usando maquiagem extravagante e nariz vermelho?
Cômico, não?

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Há dias em que as palavras fluem como um rio, podendo até encher uma folha de papel. Há também dias em que muitas palavras são ditas, de modo grosseiro ou não, usadas carinhosa ou desnecessariamente. Até que chega um momento em que a folha não consegue ser preenchida. Há muito mais a ser ouvido que a ser dito.
Mas elas ainda estão lá. Estudam o tempo certo para agir.

Anseiam pelo momento em que serão ditas novamente.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Ciranda

Engraçado como, às vezes, nossos pensamentos parecem estar brincando de roda. Todos giram juntos, alguns até se destacam, mas os outros não deixam de ser importantes; afinal, a roda não pode parar! Parece que, de alguma forma, todos estão relacionados, ligados, assim com as mãos que se dão para que a brincadeira possa começar.
E ela não precisa acontecer ao som de uma cantiga, necessariamente. Pode ser à voz do vento, à música das águas, aos sons da terra, aos tons do céu - ah!, tantas cores, ritmos, sabores, dando meia-volta, volta e meia... Como pode haver tanta lógica e beleza por trás de algo tão simples e tão encantador, a ponto de nos deixar sem saída, senão participar?

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

E contando...

Se eu levasse em conta o clima, diria azul. Mas como falo de humor, amarelo - me sinto muito bem hoje. Amarelo sempre me faz lembrar de coisas alegres.
Estamos bem, pois. Creio que esse é um bom começo.

Amarelo, e contando...