domingo, 26 de julho de 2009

Tem muitos livros aqui, vô. A colônia quer montar uma biblioteca, achei o maior barato. Ordenei os livros de capa vermelha quando chegamos, “clássicos da literatura universal”. Faltavam dois ou três, mas alguém deve ter pegado para ler. O jornal também parecia não ter todos os cadernos, ou eu não tive paciência suficiente para lê-los todos? Talvez. Não é que eu não goste de jornais, mas... O senhor, eu lembro. O senhor gostava, não é? Principalmente das palavras cruzadas. Bem, minha mãe comprou algumas para fazermos juntos. Ela trouxe tirinhas também, e eu, alguns livros. A tia Nan me mandou as tirinhas – ela sabe que gosto. Elas ficam junto das palavras cruzadas, não é?
Eu trouxe o violão. Minha mãe já me cobrou o estudo, e eu sei que o senhor também cobraria. Mas eu estava desanimada, vô, um pouco cansada. De qualquer forma, eu tenho que estudar, e vou fazê-lo assim que estiver melhor – amanhã, quem sabe. Minha mãe não é a única que me cobra: a tia Mar, tia Nan e eu. O senhor me cobrava, vô.
Parece que o tio tem uma dieta especial agora; acho que o senhor o acompanharia. É quase impossível não pensar no senhor quando falamos de limão ou linhaça. Aliás, falamos sobre o senhor hoje, durante a janta; Ou foi almoço? O senhor bem sabe que compramos “besteirinhas” para viajar. Eu lembro que eu não gostava do seu pão, e até agora ninguém conseguiu fazer igual, nem seguindo a receita. Eu gosto do seu pão, vô.
A tia Mar achou o caderninho, deve saber qual. Eu anotei as frases, faz um bem danado ler aquilo - sempre acabo rindo. Quando falamos sobre o senhor hoje foi para lembrar uma delas.
Fomos ver o mar no final da tarde. Eu queria ter saído mais cedo, quando vi que o céu estava bonito, as nuvens amareladas e em tons de rosa, como uma página envelhecida manchada com um pouco de vinho. Ao sair já estava cinza, carregado, mais uma vez. Ainda assim eu quis ir. O mar estava bravo, a água subia bastante. Mesmo desse jeito consegue ser lindo. De manhã andamos um pouco, pegando conchinhas. O senhor andaria junto, não é?
Desculpe por não ter dançado valsa com o senhor naquele casamento, vô. Eu dancei um pouco com a minha mãe hoje, ela pensou que eu estivesse louca. Acho que eu tenho um pouco de mar dentro de mim, sabe. Numa hora, calma e fácil de lidar; noutra, atrevida, rebelde. Às vezes, quando eu penso no senhor, a água acaba rompendo os diques e inundando meu rosto. Mas não é porque eu esteja brava; é por causa das recordações, sempre tão felizes.
Acho que vou mudar meu julgamento, então. O mar não fica bravo ao fim da tarde – fica feliz.